Hipertensão (HAS) é uma doença muito comum na prática clínica: estima-se que 20 a 30% da população mundial seja hipertensa. Por isso, qualquer que seja sua especialidade, você provavelmente lidará com hipertensos.
A principal causa da hipertensão é a chamada “primária ou essencial”, isto é, uma combinação de fatores promove o aumento sustentado da pressão arterial. Esses fatores incluem retenção de sal e água, rigidez vascular, disfunção endotelial, resistência insulínica, apneia do sono, entre outros.
Passo 1: defina uma meta para a PA
Pacientes com menos de 60 anos de idade devem iniciar anti-hipertensivos com o objetivo de manter a PA < 140/90 mmHg – essa é a meta! Resumimos na TABELA 1 as principais indicações da diretrizes mais atuais. Todavia, para pacientes idosos, há controvérsias: alguns autores defendem uma PA sistólica mais alta, entre 150-160 mmHg. Essa foi, por exemplo, a posição norte-americana no VIII Joint. Um argumento é que a PA muito baixa poderia aumentar o risco de quedas.
É bom lembrar que a rigidez vascular aumenta com a idade e é comum uma divergência entre a PA sistólica e a diastólica. No tratamento do idoso, deve-se evitar uma PA diastólica abaixo de 60 mmHg, mesmo às custas de uma maior PA sistólica. Além disso, a população idosa é mais susceptível aos efeitos colaterais das medicações e à polifarmácia. Contudo, há poucos estudos nesta população e ainda é cedo para conclusões definitivas. O bom senso e as evidências atuais sugerem dividirmos os idosos em dois grupos:
Antigamente, pacientes de alto risco cardiovascular, como diabéticos e renais crônicos (DRC), também tinham metas diferenciadas. Contudo, as diretrizes mais recentes suspenderam esta recomendação. Uma das principais evidências veio do estudo ACCORD BP. Nele, pacientes com DM tipo 2, nos EUA e Canadá, foram randomizados para dois grupos: um com meta de PA < 120 mmHg (tratamento intensivo) e outro com meta < 140 mmHg (controle).
Os resultados mostraram que não houve diferença significativa entre os grupos no desfecho primário principal – morte cardiovascular, AVC e IAM. Houve, contudo, uma redução na taxa apenas de AVC, mas às custas de maior risco de eventos adversos (bradicardia, hipotensão, síncope, hipocalemia e insuficiência renal). O mesmo se aplica à população com DRC. A grande exceção são os pacientes com proteinúria significativa (> 1000 mg/24h). Neste subgrupo, a redução da PA, em especial com o uso de inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), reduz a perda progressiva da função renal e o alvo é uma PA < 130/80 ou 125/75 mmHg.
O estudo SPRINT: recentemente foi publicado um grande ensaio clínico com pacientes não diabéticos de alto risco cardiovascular, comparando duas estratégias de controle da PA: intensivo (meta PAS < 120 mmHg) ou controle (PAS < 140 mmHg). Após o acompanhamento desses pacientes por uma média de 3,5 anos, no grupo que recebeu tratamento intensivo foram observadas reduções de 27% na mortalidade e de 25% no desfecho primário composto de infarto do miocárdio, síndrome coronariana aguda, acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca congestiva (ICC), ou morte cardiovascular.
Contudo, há duas grandes críticas. Primeiro, o método utilizado para aferir a PA foi um aparelho oscilométrico por um profissional não médico. É sabido que nestas circunstâncias a medida da PA é cerca de 5 a 10 mmHg inferior da mesma medida feita por um médico com aparelho convencional. Será então que o grupo controle estava mesmo com PA na meta? Ou em uma situação real não estaria com HAS leve? Outra limitação é a capacidade de generalizarmos os resultados para o mundo real. Os critérios de inclusão foram bem precisos, criando restrições, de modo que de 14 mil pacientes avaliados, apenas 9 mil de fato entraram no estudo. Com isso, ainda há muito espaço para discussão em torno da melhor meta da PA. Talvez mais importante que garantir um alvo específico, seja aumentar nossa capacidade de atendimento e adesão ao tratamento. Lembrem que menos de 20% dos hipertensos no Brasil estão com a PA adequada!
Passo 2: defina as mudanças do estilo de vida
Não há remédio que funcione se o paciente não aderir a alguns hábitos saudáveis. É sabido pelos professores que a maioria dos alunos “pula” essa parte do livro. Mas não se enganem: na vida real você pode dar quilos de diurético – se não restringir o sal na dieta, pouco adiantará! Resumimos na TABELA 2 abaixo as principais recomendações do estilo de vida. As medias com maior impacto na vida real são: alimentação saudável, redução na ingesta de sódio e perda de peso. Algumas dicas práticas:
Passo 3: a escolha da medicação
Atualmente, os fármacos de primeira linha no tratamento da HAS são: diuréticos tiazídicos, inibidores do SRAA (iECA e BRA) e bloqueadores dos canais de cálcio. Os beta-bloqueadores tiveram, em alguns estudos, resultados inferiores aos demais e hoje são drogas “reservadas” para situações de doença arterial coronariana e/ou insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida. Inúmeros ensaios clínicos compararam as diversas classes entre si.
No paciente sem comorbidades significativas, todas as três classes mencionadas anteriormente estão aprovadas. Entretanto, há situações clínicas que indicam uma classe medicamentosa em especial e estão detalhadas na TABELA 3 abaixo. Para as outras, você pode escolher em função dos custos, posologia e efeitos colaterais. Esteja apenas atento a algumas dicas práticas:
O paciente que não atingir a meta de controle da PA com três fármacos, incluindo um diurético, deve ser avaliado quanto à presença de HAS resistente. O primeiro passo é solicitar uma MAPA ou um MRPA para afastar um “efeito do jaleco branco”. Se de fato for HAS resistente, a 4ª droga poderá ser clonidina ou espironolactona. O estudo nacional REHOT, comparando estas duas drogas, ainda não publicou os resultados oficiais, mas a análise preliminar mostrou resultados similares entre elas.
Uma lição importante no tratamento da HAS é estar sempre atento à adesão. Quantos residentes não foram surpreendidos por pacientes hipertensos e diabéticos que, após a internação, precisaram reduzir a dose dos anti-hipertensivos e da insulina? Verifique posologia. Peça o paciente para trazer as medicações e mostrar, um a um, o que está tomando (e não apenas um check list da receita). Pergunte o que ele comeu no último almoço. Recentemente, uma residente na UFF se surpreendeu com esta pergunta e a resposta da paciente: “Rabanada com Leite condensado!“. Confiança, dieta (hábitos) e adesão são o tripé do tratamento médico.
Fonte: http://pebmed.com.br/especial-hipertensao-quando-a-investigacao-deve-ir-alem-do-trivial/
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